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29/03/2022 - 10h44

Medida Provisória do teletrabalho gera insegurança jurídica

Apesar de avanços, MP 1.108/22 não é o instrumento ideal, diz especialista

 

 

A Medida Provisória (MP) 1.108/22, publicada ontem (28), pelo governo federal, que trata de regulações ao teletrabalho, já chega cercada de insegurança jurídica.

 

A nova MP propõe soluções para três questões ligadas às mudanças nos modelos de trabalho. A primeira delas é sobre a modalidade prevista no contrato de trabalho, não importando a quantidade de dias em que o funcionário realiza as atividades na empresa ou fora dela. A segunda é a definição do local das normas coletivas: se um empregado foi contratado no Rio de Janeiro e mora em Fortaleza, as definições de piso e reajuste salarial, por exemplo, seguirão as regras definidas na capital fluminense. Por fim, o terceiro ponto é permitir o teletrabalho por horas trabalhadas ou pelo modelo de produção ou tarefas, ou seja, por ações e projetos entregues pelo funcionário, que não teria horas fixas para começar e terminar as atividades e fazer pausas.

 

Para Flávia Azevedo, sócia da área trabalhista do escritório Veirano Advogados, a mudança da frequência é significativa para as empresas preocupadas com a frequência presencial dos empregados em teletrabalho.

 

"O teletrabalho passa a ser uma escolha das partes, de empregado e empregador, e o fato de haver uma necessidade eventual de mais idas ao escritório não muda o regime escolhido, o que é muito positivo", diz Flávia.

 

Um dos pontos de atenção, no entanto, está na modalidade de remuneração por jornada ou por produção ou tarefa. Até então, o teletrabalho era uma das exceções previstas na CLT para o controle de horas trabalhadas. A MP estabelece, no parágrafo 2º do artigo 75-B, a possibilidade do teletrabalho por produção ou tarefa, e, no parágrafo 3º do mesmo artigo, diz que "na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa", não se aplica o capítulo da CLT relativo à jornada de trabalho. Entretanto, no que diz respeito à nova redação do inciso III do artigo 62, a MP apenas faz referência aos empregados em regime de teletrabalho que prestam serviços por produção ou tarefa, desconsiderando os que prestam serviços por jornada. Na visão da especialista, essa omissão pode levar a uma interpretação de que as contratações de teletrabalho que não estiverem previstas na modalidade de produção ou tarefa serão consideradas como sujeitas ao controle de jornada e à remuneração de horas extras.

 

A discussão sobre a existência ou não de controle de jornada no teletrabalho é antiga, e que fica ainda mais controvertida em razão do aparente conflito entre a redação do inciso III do artigo 62 e aquela do parágrafo 3º do artigo 75-B introduzidos pela nova MP.

 

"Vamos pensar que as pessoas de um escritório em teletrabalho, por exemplo, não trabalham por produção ou tarefa, mas pela quantidade de horas. E, agora, pela análise exclusiva do inciso III do artigo 62, elas não têm mais a presunção de não terem controle. Veremos discussões sobre se há ou não necessidade de haver controle da jornada, bem como quais são os meios mais eficazes de garantir que o empregado apenas trabalhe as horas determinadas e se deve ou não haver a remuneração por eventuais horas extras todos estes pontos bem sensíveis", explica Flávia.

 

Trabalho híbrido

A medida também auxilia no entendimento do regime híbrido de trabalho, que continuará a ser um contrato de trabalho presencial na CLT. "Existem dois regimes: presencial e teletrabalho, segundo a MP. O híbrido é uma opção da empresa e do funcionário por um pouco de cada um desses dois mundos", explica a especialista.

 

A partir do momento em que não é definido um mínimo de dias para considerar teletrabalho ou presencial – prossegue Flávia –, o regime híbrido continua a ser uma decisão das partes e o funcionário pode até escolher uma maioria de dias presenciais, por exemplo. Mas, pela contradição mencionada acima, a obrigação de controlar a jornada, se esse for o modelo de remuneração, é um ponto de atenção para os dias de trabalho remoto".

 

Para a advogada, a tendência é as empresas caminharem para o modelo de trabalho híbrido, que permite flexibilizar a operação e reduzir custos de operação com a entrega de imóveis.

 

Insegurança jurídica

Para Flávia, a utilização de uma MP para fixar as regras para o teletrabalho é um caminho delicado. As empresas poderão aplicar controle de jornada e utilizar os dias trabalhados no escritório ou remotamente durante a vigência da MP, que vale por 120 dias e pode ser prorrogada pelo mesmo período. Porém, caso não seja aprovada pelo Congresso, que pode fazer alterações, a medida perde o efeito e retorna ao cenário anterior. Dessa forma, a frequência máxima para o trabalho híbrido voltaria a ser de até dois dias remotos — acima disso seria obrigatoriamente teletrabalho — e os profissionais em teletrabalho no regime de jornada poderiam alegar ter direito a receber remuneração por horas extras trabalhadas.

 

"A MP não é o instrumento ideal para determinar regras trabalhistas. Cria um ambiente de insegurança para todos e coloca o empregador numa situação delicada, porque, analisando-se exclusivamente o inciso III do artigo 62, haveria a obrigação de implementar um controle e uma remuneração por hora extra de forma imediata. Caso não seja aprovada, ambos deixam de ser obrigatórios também de forma imediata. Outrossim, se se entender que prevalece a redação do parágrafo 3º. do artigo 75-B, não haveria tal obrigação. Isso será tema de discussões futuras", afirma a especialista.

 

Outro ponto delicado, diz ela, é a determinação do retorno a atividades presenciais, pois, se um funcionário optou por morar fora da localidade prevista no contrato durante a pandemia, terá, segundo a MP, de arcar com os custos de deslocamento caso a empresa determine dias de trabalho presencial. "A lei não fixa nenhuma obrigação para o empregador nesse cenário, porque a opção foi do funcionário", explica.

 

Pontos positivos

Não é mais necessário trabalhar um mínimo de dias remotamente ou presencialmente para determinar o tipo de modalidade — a opção estará definida no contrato de trabalho.

• Definição de local para normas coletivas garante clareza para reajustes e pisos salariais.

• Medida define a possibilidade de trabalho remoto para a contratação por produção ou tarefa.

• Aplicação da lei brasileira ao empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064/82, exceto haja disposição em contrário estipulada entre as partes.

 

Pontos de atenção

• Remuneração por produção ou tarefa não se aplica a todos os tipos de trabalho.

• Controle de horas no teletrabalho exige meios eficazes para garantir melhores relações de trabalho.

Se a MP não for aprovada,  empresas e funcionários perdem benefícios de flexibilidade.

• Discussões sobre controle de horas e remuneração de horas extras.

• Trabalhador em contrato presencial que optou por morar fora após o início da pandemia terá que custear deslocamento para eventuais atividades presenciais.

 

Foto: Pexels