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Legislação

25/09/2020 - 08h00

O poder diretivo do empregador e o dever de conter a propagação da Covid-19 no ambiente de trabalho

O advogado Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha faz uma abordagem detalhada sobre o tema

 

Por Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha*

 

Ao definir o conceito de empregador, a CLT, de forma expressa, define que empregador é a pessoa jurídica (ou física, no caso do empregado doméstico) que assume os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. É importante notar que a legislação trabalhista, ao conceituar empregador, já estabelece seu poder-dever de direção da prestação de serviço. Nesse ponto, ressalta-se que o poder de direção ou poder diretivo é apenas uma dimensão do poder empregatício, assim entendido como um conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e concentradas na figura do empregador destacando-se três principais deveres: regulamentar, fiscalizar e disciplinar, todos importantes para a presente análise.

 

Isso porque a Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XXII, e a CLT, no artigo 157, estabelecem que é dever da empresa cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como instruir os empregados quanto às precauções a serem tomadas para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. E o artigo 158 da CLT estabelece que aos empregados cabe observar as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como cumprir as instruções dadas pela empresa. E é exatamente nesse contexto que se insere a Covid-19, seja ela caracterizada como uma doença comum ou de índole ocupacional, a depender da atividade exercida pelo empregador.

 

Muito embora o atual momento seja de uma pandemia, em um cenário de alta propagação do coronavírus, que circula em todo e qualquer ambiente e propicia sua contaminação dentro da empresa, e fora dela, é dever da corporação, no ambiente laboral, cuidar e zelar pela saúde e segurança de todos seus empregados, mediante a adoção de medidas de precaução e prevenção contra a Covid-19, com vistas a evitar, no ambiente de trabalho, a disseminação do vírus.

 

Dessa forma, é obrigação da empresa a adoção de procedimentos acautelatórios e medidas de biossegurança, nos termos da Portaria Conjunta 20/2020 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, tais como: elaboração de protocolo especial referente à Covid-19, contendo previsão referente à adoção de máscaras, disponibilização de álcool gel, medição de temperatura corporal, distanciamento entre os postos de trabalho e das mesas no refeitório, intensificação da limpeza do local de trabalho e de superfícies de contato, como maçanetas, e equipamentos eletrônicos, além de plano de contingência com procedimentos para casos contatantes, suspeitos e confirmados com a Covid-19.

 

Na hipótese de a empresa não adotar nenhuma destas medidas, ou não fiscalizar o seu cumprimento, haverá o risco de reconhecimento da Covid-19 como uma doença ocupacional, já que a empresa, neste caso, teria deixado de cumprir com o seu poder-dever de zelar pela saúde e segurança de todos.

 

De outra parte, como visto, cabe aos empregados observarem as medidas impostas pela empresa, devendo o empregador instruir, fiscalizar e punir caso algum empregado venha a não observar as medidas impostas, podendo sofrer a aplicação das medidas disciplinares cabíveis, desde uma advertência até uma justa causa, na hipótese de faltas reiteradas, nos termos do artigo 482 da CLT.

 

E, no tocante ao plano de contingência com referidos procedimentos, encontra-se a realização de testagem em massa dos colaboradores. No entanto, a Portaria Conjunta nº 20/2020 estabelece que não deve ser exigida testagem laboratorial para a Covid-19 de todos os trabalhadores como condição para retomada das atividades do setor ou do estabelecimento, em razão de ainda não haver recomendação técnica para esse procedimento.

 

De outro lado, a própria Portaria define que se for adotada a testagem de trabalhadores, esta deve ser realizada de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde em relação à indicação, metodologia e interpretação dos resultados.

 

Além disso, os governos estaduais e alguns municípios publicaram Protocolos de Testagem, que incluem prevenção, triagem de casos suspeitos, testagem e contenção. Cabe observar que a testagem tem como objetivo precípuo a confirmação de casos suspeitos para isolamento e monitoramento de indivíduos assintomáticos e infectados.

 

Assim, muito embora a Portaria nº 20/2020 estabeleça que não se deve exigir a testagem laboratorial de todos os empregados, caso a empresa assim o faça, como mais uma medida de precaução, e assim poderá fazê-lo, que sejam observados os protocolos de testagem do respectivo estado e município no qual está sediado o estabelecimento empresarial.

 

Um exemplo de Protocolo é o que foi publicado pelo governo do estado de São Paulo, que recomenda o teste do tipo RT-PCR, certificado pela Anvisa, para casos assintomáticos, em razão de ser o teste que identifica a presença do RNA do vírus, confirmando a infecção e possibilitando a melhor conduta terapêutica a ser adotada para o trabalhador.

 

No entanto, caso a empresa adote testagem também para indivíduos assintomáticos, referido Protocolo recomenda o teste sorológico, igualmente certificado pela Anvisa e que detecta no sangue os anticorpos IgA/IgM e IgC. É importante apenas reforçar que se a realização da testagem for uma exigência da empresa, cabe a ela custear referidos exames.

 

Na hipótese de algum empregado vir a contrair a Covid-19 e apresentar o respectivo atestado médico comprobatório, é importante que o colaborador observe todas as orientações médicas, incluindo a necessidade de isolamento domiciliar pelo tempo recomendado. Como procedimento de controle, é importante ainda que a empresa encaminhe uma cópia deste atestado médico ao médico do trabalho, para fins estatísticos e de controle/estratégias de prevenção e precaução contra a doença.

 

Quando do retorno deste empregado ao trabalho, caso apresente alguma restrição às suas atividades laborais decorrente deste afastamento, deverá passar por uma avaliação médica, de modo a verificar a possibilidade de adequação temporária de suas atividades ou afastamento pela Previdência Social.

 

Além disso, quando se fala em coronavírus, não há como não citar as pessoas integrantes do grupo de risco, assim definidos na Portaria Conjunta nº 20/2020 como sendo as pessoas maiores de 60 anos, ou com cardiopatias graves ou descompensadas, pneumopatias graves ou descompensadas, imunodeprimidos, doentes renais crônicos em estágio avançado, diabéticos e gestantes de alto risco. Sendo essa questão trazida à baila principalmente em um cenário de retomada gradual das atividades econômicas, e, por consequência, das atividades laborativas.

 

A Portaria Conjunta 20/2020, muito embora não obrigue a adoção do teletrabalho para esse grupo, estabelece que essa modalidade deve ser priorizada, quando possível. Não sendo possível, orienta que a atividade seja exercida em local que reduza o contato com outros trabalhadores e o público, bem como em local arejado e higienizado ao fim de cada turno de trabalho.

 

Nesse sentido, para além das primeiras medidas de prevenção contra a Covid-19, para os colaboradores integrantes do grupo de risco, referidas medidas deverão ser reforçadas, além de serem observadas estas demais recomendações.

 

É possível ainda que sejam adotadas, caso assim intencionem empresa e empregado, as medidas de redução proporcional de jornada e salário e suspensão temporária do contrato de trabalho, hoje limitada há 180 dias e ao término do estado de calamidade pública, nos termos da Lei 14.020/20 e Decretos Federais 10.422/20 e 10.470/20.

 

No entanto, caso não sejam estas as medidas adotadas, a outra alternativa seria a adoção de banco de horas ou licença-remunerada, não podendo a empresa afastar os empregados sem a percepção de salários ou sem os acordos acima esposados.

 

Por fim, é importante esclarecer que caso algum empregado venha se negar a trabalhar em razão do medo de contaminação, deve ser analisado o caso concreto, mas em regra a pandemia não seria um motivo escusável para a prestação de serviço, sobretudo se a empresa vem adotando todas as medidas de prevenção e precaução contra a Covid-19, devendo sempre ser entendidos os motivos que levaram o empregado a recusar a execução das atividades laborativas, no entanto, podendo ser aplicadas as medidas disciplinares cabíveis, se a situação concreta assim permitir.

 

*Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha é advogado especialista na área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados

 

Foto de abertura: Divulgação/Finocchio & Ustra Advogados