Notícia

Comportamento

27/01/2020 - 14h49

Existirmos a que será que se destina? – Por Marcelo Madarász

A frase é o ponto de partida do artigo escrito com exclusividade para a Gestão RH

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

Essa pergunta profunda faz parte de uma música escrita por Caetano Veloso chamada Cajuína. A história da música mereceria um artigo, pois traz a ideia de superação e transformação. Torquato Neto, um amigo querido de Caetano, poeta, havia se suicidado e, algum tempo mais tarde, Caetano e o pai de Torquato se encontram em um momento muito emocionante. O pai do amigo oferece uma bebida típica chamada Cajuína e, para consolar, Caetano o presenteia com uma rosa. Algum tempo depois, refletindo sobre a vida, a morte e aquele momento, compõe essa linda canção.

 

Há uma sabedoria muito grande no movimento de transformar a dor, acontecimentos difíceis e perdas em algo positivo – no caso, uma canção linda – e, muitas vezes, em aprendizado e experiência. Não está em nosso controle escapar das adversidades, obstáculos, dificuldades e revezes, mas está sim sob nosso controle a forma como reagir e eles. É uma das mágicas de nossa vida: poder fazer escolhas e escolher se um determinado fato vai nos fazer mal a ponto de paralisarmos ou se usaremos esse fato a nosso favor e usar essa oportunidade para nossa evolução.

 

Essa música mencionada remete imediatamente a uma reflexão bastante filosófica e existencial acerca do sentido de nossa vida que é nuclear e fundamental quando pensamos em Propósito. Tema cada vez mais em moda, há muito faz parte de objeto abordado pela ciência, pela filosofia, pelas religiões e, agora, pelas organizações, que felizmente ampliaram a discussão do “o que”, do “como” para incluir o “por quê”. Qual a razão de ser de uma empresa, qual a razão de ser de uma vida? É a pergunta que busca trazer respostas para dar um sentido, um significado à nossa existência.

 

Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco e fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, a logoterapia, prisioneiro e sobrevivente de campos de concentração, escreveu uma obra-prima chamada Em busca de sentido, que aborda exatamente essa reflexão acerca do significado da vida. No livro, Frankl resgata uma poderosa frase de Nietzche “Quem tem um porquê, enfrenta qualquer como”. Essa é uma das frases que mais impacto me causou e remete também à reflexão que dá título a este artigo.

 

Para responder qual é o sentido da vida e mergulhar ainda mais na reflexão a ponto de incluir o significado da dor, da perda, da dificuldade, da adversidade, só existe um caminho, que é o autoconhecimento.

 

Os processos terapêuticos e os processos de coaching, na verdade, são caminhos para levar o paciente ou o coachee a esse processo, ferramentas para ajudá-lo e guiá-lo nessa jornada. O autoconhecimento, além de permitir que cada um responda qual é o sentido de sua vida e descubra qual é o seu propósito, é fundamental para desvendar uma outra parte muito relevante da jornada, que pode também ser traduzida por uma pergunta feita numa música: você tem fome de quê?

 

Quantas pessoas, por não se conhecerem de uma maneira mais profunda e por não saberem responder o que faz sentido, o que o faz ter tesão de vida, o que faz seus olhos brilharem, simplesmente deixam a vida levá-los, como joguetes, como marionetes e, sem vida própria, não conseguem se tornar protagonistas de suas vidas; vão tomando emprestados sonhos que não são seus, projetos que são de outros e chegam a viver uma vida que não é a deles. Muitas vezes, entram em depressão ou sofrem o atual e famoso burnout e não conseguem associar essa quebra de sua identidade com a doença, o mal-estar, a falta de sentido.

 

Muitas vezes, chegaram onde haviam imaginado que seria seu ponto de felicidade, conseguem posição, dinheiro, carro, todos os símbolos de status de alguém que “deu certo”, e não conseguem sentir um mínimo do que alguns chamariam bem-estar, felicidade, plenitude, sentimento de dever cumprido.

 

Nesse entorpecimento, há um agravante que é o cenário de cobranças, exigências e a quantidade absurda de estímulos que estão à disposição e que, na falta de clareza, a pessoa vai se entupindo de coisas, tal como um comedor compulsivo vai ingerindo todos os alimentos que estão disponíveis e, muito mais que obesidade mórbida, é o quadro de absoluto descontrole e exaustão.

 

Não tenho o desejo de ser profeta do apocalipse e trazer um diagnóstico tão doloroso sem, em contrapartida, sinalizar que há luz no túnel . Dependerá exclusivamente de cada um, elevar o nível de consciência e sair dessa armadilha que, muitas vezes, por desconhecimento, foi criada pela própria vítima.

 

Estamos numa fase de final de um ciclo e início de outro. Um ano novo traz o símbolo de algo que começa e que pode ser diferente. Além do autoconhecimento, para romper com esse círculo destruidor, se faz necessária a pausa. Pausas ao longo do caminho, parecidas com o necessário movimento de respiração que os nadadores precisam. Meditação é uma pausa na loucura do dia a dia.  Sentar-se à mesa (não nos fast food da vida) e saborear a refeição é pausa. Dormir é pausa. Sem a pausa, o processo de adoecimento será cada vez mais trágico. Autoconhecimento. Pausa. Meditação. Expansão da consciência. Escolhas. Será que você precisa mesmo ler tudo que está ao seu alcance? Fazer academia sete vezes na semana? Ter gominhos no abdômen, o último modelo do celular, a bolsa mais cara da marca mais cara, o carro que é objeto de desejo de todos, filhos, ser capa de revista, ter a promoção que todos querem, viajar todo ano para os países com os quais todos sonham, fazer a terceira pós-graduação, emagrecer os 15 quilos?

 

Se alguma dessas coisas fizer sentido para você, maravilha, sem culpa, abrace aquilo que te faz brilhar os olhos, mas cuidado: se pergunte se esse é mesmo o seu sonho ou se é algo emprestado ou roubado de alguém, ou pior algo que te impuseram e que você acreditou que seria o caminho da felicidade.

 

Faça seus sacrifícios pelo que verdadeiramente faz sentido para você e tem a ver com a sua essência! Como disse o rabino Nilton Bonder: “quantos de nossos esforços são oferendas ao nada?” Boa pausa, boa jornada!

 

*Marcelo Madarasz é diretor de RH para a América Latina da Parker Hannifin

Foto: Fabio Chiba