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20/12/2021 - 11h25

“Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo”

Em seu último artigo de 2021, Marcelo Madarász pede desapego do que passou

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

Mais um ano chega ao seu final, uma época bastante propícia a reflexões, tanto as ligadas ao passado, portanto ao ano que está se encerrando, como as ligadas ao futuro, estas trazem aqueles conhecidos rituais de balanço e lista de intenções para o início de janeiro.

 

Este ano também foi bastante desafiador. Temos ouvido de algumas pessoas que ele já vai tarde, que preferem apagá-lo de suas histórias, de sua memória, das lembranças. Não vamos julgar essa postura, por dois motivos: o primeiro, pelo fato de querermos evoluir como seres humanos e usar a máxima “não julgar o próximo”, e o segundo, pelo fato de que, como diz outra canção, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. 

 

Mesmo sem julgamentos, podemos refletir sobre essa postura. Assim como as nossas rugas, marcas de expressão e entradas nos cabelos compõem nossa história, as dores e cicatrizes de períodos desafiadores também o fazem. O grande segredo talvez seja permitir generosamente que nem os erros e muito menos as dores sejam desperdício. Que tal torná-las mestres? Como mestres, vieram nos ensinar algo e, se tivermos a sabedoria de compreender o quê, como, por quê, junto com as dores, poderemos viver as delícias do aprendizado e da evolução.

 

Percebam que eu não falei ao invés das dores, mas sim junto com as dores. A exemplo de nossas sombras, as dores não podem simplesmente serem expulsas de nossa história, sob o risco de ganharem dimensões muito maiores.  Já aprendemos com a teoria integral (quem não conhece, vale a pena fazê-lo) que para evoluirmos de um estágio a outro, precisamos incluir e transcender.  Esta inclusão deve abranger tudo que nos diz respeito.

 

Nessa linda canção de Lulu Santos, Como uma onda, também divertidamente chamada de zen surfismo, há muita sabedoria. A canção fala de uma forma budista sobre a impermanência das coisas e nos remete também ao ditado popular: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Nos entregarmos ao desespero e desesperança das situações difíceis ou ficarmos ansiosos pelo que virá, são dois movimentos que nos roubam a energia tão preciosa e vital para vivermos o momento presente exatamente como ele é chamado: um presente. Que tenhamos a sabedoria de viver cada momento como uma benção, um tesouro, um presente, um milagre que jamais poderá ser repetido. Outros momentos virão, não aquele.  Dessa forma, quando você estiver naquelas situações que chamamos de fundo do poço (às vezes, até dizemos que descobrimos que o poço tem porão) ou quando estiver naquele gozo pleno das vitórias, conquistas, alegrias, de maneira muito sábia, lembre-se que ambas as situações passarão.

 

Em nenhum momento estou sugerindo que não se celebre as alegrias, nem que se deixe abater pelas dores, mas que se possa entregar-se ao momento, dando a ele sua devida atenção, mas sabendo de sua finitude. Ninguém gosta de pensar naquilo que chamamos de morte, mas também chamo a atenção para o fato de que, ao fazer as pazes com essa verdade inexorável, conseguimos celebrar e viver a vida sob outra perspectiva.  Saber que somos finitos ou que pelo menos esta nossa vida humana terá um fim, a exemplo do ano, é o que nos convida a vivermos intensamente.

 

Muitas pessoas se viram recentemente frente a frente com as doenças e a morte, muitas ainda estão. Além da busca de tudo que a medicina disponibiliza, também devemos viver o milagre de hoje, do momento presente. Como dizem na cultura budista, o pior sofrimento é o apego ao sofrimento. Nos libertemos então de todos os apegos e deliciosamente nos entreguemos à vida, que, como diz na canção, vem em ondas, como um mar, num indo e vindo infinito…

 

Feliz Ano Novo. Ele será feliz, dentro do que chamamos de felicidade, se assim você o construir!  Como o poeta disse que felicidade se encontra em horinhas de descuido, permita-se muitas dessas horinhas!

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

Foto de abertura: Marcos Suguio