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10/06/2021 - 18h42

Escolher melhor os pensamentos…

Pare para respirar antes de agir, recomenda Marcelo Madarász no artigo a seguir

 

 

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

“Há uma frase bastante interessante dita por Jean-Paul Sartre, filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como representante do existencialismo, que é no mínimo curiosa: ”O homem está condenado à liberdade”. A frase é curiosa, pois uma leitura rápida e superficial pode nos induzir a um equívoco de interpretação. Já que a liberdade é algo tão valioso e positivo, como pode, então, ser uma condenação?

 

O que podemos compreender é que, à medida que temos o nosso livre arbítrio e, portanto, a possibilidade de fazer escolhas, temos que estar preparados para assumir as consequências de nossas escolhas e isso acontece a cada segundo.

 

Acordamos, abrimos a janela e nos deparamos com um dia frio e chuvoso. Podemos escolher amaldiçoar o dia, lamentar pelo dia estar tão feio, nos entristecermos, voltarmos para a cama impregnados do raciocínio “ó, vida, ó, azar”, assim como podemos fazer uso do nosso olhar de apreciação, perceber a beleza das gotas de chuva na janela, as árvores molhadas, o cheiro de terra, respirarmos profundamente e olharmos a cama quente da qual acabamos de sair, preparar um café e transbordar o coração de gratidão por tanto que temos a agradecer: por estarmos vivos, por termos saúde, por podemos ver o dia, sentir a temperatura, tomar nosso café quente e compreender a dimensão da nossa vida e do quanto fazemos parte de algo muito maior.

 

Cabe a nós escolhermos que reações teremos com tudo que nos acontece. Posso escolher piorar tudo de ruim que acontece ou atenuar aquilo que acontece e que aparentemente tem um impacto negativo. Será mesmo negativo? Como posso transformar isso em aprendizado, como posso me tornar um ser humano melhor a partir desse evento? Como posso compreender que o outro passa por várias coisas que desconheço e que, portanto, não tenho condições (nem o direito) de julgá-lo? Enfim, o tempo todo temos condições de fazer escolhas.

 

Há algo também curioso em nossa sociedade no momento atual que é a intensificação de algo que já existia antes: o hábito muito enraizado de tomarmos as coisas como pessoais. Ouvimos algo, lemos algo e imediatamente “enfiamos a carapuça”, enxergamos ali uma indireta para nós e, muitas vezes, tal qual uma fera ferida e acuada, reagimos muitas vezes de forma absolutamente intempestiva, respondemos de forma quase irracional, com uma enorme carga emocional e muitas vezes nos arrependemos amargamente ao nos darmos conta do que fizemos.

 

As palavras podem ter, e têm, um poder muito destrutivo, muitas vezes de forma irremediável. Tudo porque reagimos sem parar para respirar.

 

Nas redes sociais e grupos de WhatsApp, esse fenômeno tem tomado uma dimensão inacreditável. Pessoas à beira de um ataque de nervos, reagindo de formas irônicas, destrutivas, às vezes selvagens. Vínculos se rompendo, ódio disseminado, clima de guerra, beligerância e por quê? Por algo que nem estava relacionado diretamente à pessoa que reagiu, mas esta entendeu como um ataque e ofensa pessoal.

 

O que mesmo temos a ver se alguém é contra ou a favor da vacina, do tratamento precoce, do médico que defende, do médico que ataca? Se alguém adora determinado político e outros o odeiam, se alguém acredita em tudo o que lê, acredita na imprensa, e outros desacreditam completamente, o que mesmo isso tem a ver comigo? Se alguém é a favor do casamento gay e eu não, exceto se alguém me pedir em casamento, por que eu tenho que me posicionar?

 

Não se trata absolutamente de ficar eternamente em cima do muro, cada um pode ter a sua opinião, mas há a necessidade de contra-argumentar ou atacar a posição do outro seja na rede social, seja nos grupos? Ao ler algo que te dê o desejo quase assassino de responder, que tal fazer uma pausa para um café, fazer alguns minutos de exercícios respiratórios, meditação, abrir a janela, tomar um sorvete?

 

Há uma estória judaica que conta que um mestre estava passando por um vilarejo com seus discípulos e fora abordado por algumas pessoas locais que o insultavam, ofendiam, humilhavam e o mestre calou-se, abaixou a cabeça e continuou sua jornada. Ao saírem do local, perguntaram por que ele não reagiu. Ele respondeu: quando alguém lhe oferece um presente, cabe a você aceitar ou não. Se você não aceita, de quem é o presente? Assim é com as ofensas.

 

Que tal trabalharmos em prol da nossa saúde, da nossa paz e simplesmente compreender que o mundo não gira ao nosso redor? Que tal escolher melhor os pensamentos e reações? Que tal fazermos escolhas melhores e em muitos casos repetir para nós mesmos “isso não me pertence”?

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

Foto de abertura: Marcos Suguio