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14/05/2021 - 17h42

Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência…

Confira o artigo preparado por Marcelo Madarász para reflexões na pandemia

 

Por Marcelo Madarász*

 

Há um ditado judaico que diz que a gente planeja e Deus ri. Há muito faz parte do desejo do ser humano o exercício do controle e o homem tem esse desejo desde as coisas mais simples e banais até para as mais profundas e existenciais. Mais de um ano de pandemia e, quando o homem se julgava minimamente conhecedor de algumas das regras, de algumas das perguntas e respostas, as regras se modificam completamente. Novas perguntas, perguntas que nem foram ainda formuladas, tentativas às cegas de respostas e soluções.

 

Muito se fala no novo normal, quando me parece que há questões fundamentais anteriores a qualquer tentativa de nomear “normal” algo que já não andava muito bem. Muitas pessoas haviam deliberadamente decidido que aquilo que estava sendo vivido era aceitável, até desejável, quando o que se fazia, na verdade, era vista grossa para algo muito longe do razoável.

 

Sem nos colocarmos na posição de vítima, o fato é que há uma dinâmica humana muito rica, interessante e autoexplicativa chamada triângulo do drama. Ou assumimos a posição de vítima ou de perseguidor ou de salvador. Podemos exercer um papel numa determinada esfera de nossas vidas e outro em outra esfera, ou seja, posso perfeitamente ser o perseguidor num ambiente de trabalho e em meu ambiente doméstico assumo o papel de vítima e assim por diante.

 

Nas organizações, muitas pessoas já traziam suas feridas e cicatrizes e carregando essas marcas, de alguma forma isso fazia parte de suas próprias dinâmicas. Ansiedade, depressão, burnout, síndrome do impostor, medos, inseguranças, pânico de perder o emprego, competição acirrada e completamente descompensada. As pessoas com pânico de perder seus empregos, invocando em alguns casos o seu melhor, seu lado mais luminoso, sua conexão com o propósito e, por outro lado, muitas vezes se comprometendo, compromissando e pactuando com o seu lado mais sombrio, trevoso, seu pior. O cenário é novamente dado e cabe a cada um, dentro de suas possibilidades, fazer as escolhas.

 

Para que as escolhas possam ser livres de interferências que fatalmente trarão algum sofrimento, é imprescindível fazer um mergulho no autoconhecimento. É necessário se conhecer e fazê-lo em sua totalidade. Conhecer suas experiências, dores , travessias, como cada uma das cargas emocionais foram trabalhadas ao longo de toda vida. Só é possível libertar-se à medida que se conhece cada um dos passos dados, tombos e principalmente superações e aprendizados.

 

A pandemia traz a necessidade de encararmos nossas próprias histórias e, novamente, sem entrarmos em nenhum aspecto de julgamento de valor, é impressionante a incapacidade de algumas pessoas de se permitir uma limpeza daquilo que definitivamente não lhes pertence. Explico melhor. Há quem não consiga encarar suas próprias histórias, mas se empenha 24 horas por dia em analisar, julgar, condenar, opinar tudo e qualquer possibilidade na vida do outro. São pessoas que investem energia e tempo na análise do outro e não se dão conta que, quando João fala de Pedro, João fala muito mais de João que de Pedro. É um mecanismo que mostra a incapacidade de João de olhar para as suas próprias feridas.

 

Do ponto de vista sociológico, é curioso que as redes sociais, a imprensa, o comportamento coletivo reforçam esse mecanismo de defesa que, se aparentemente consegue dar conta por alguns poucos momentos, não se sustenta nem no curto prazo.

 

É mais fácil apontarmos para a desonestidade, a ilegalidade, a corrupção, o errado no comportamento do outro, que no nosso próprio. Sem romantismos, há muitas pessoas que estão aproveitando oportunidades únicas de evolução, mas outras que, mais uma vez, estão desperdiçando uma chance única de desenvolvimento individual e coletivo.

 

Que cada um possa fazer suas escolhas e gozar, em sua plenitude, as boas escolhas feitas!

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

Foto de abertura: Fabio Chiba