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19/06/2020 - 11h55

Como reestruturar a empresa sem fragmentar as suas redes de trabalho?

Com a Covid-19, os processos de reestruturação devem ser repensados, diz Ignacio Garcia Zoppi neste artigo

 

 

 

Por Ignacio García Zoppi*

 

 

Os processos de reestruturação, quando bem pensados e melhor conduzidos, ajudam a tornar as organizações mais ágeis, flexíveis e competitivas. Todavia, trata-se de um processo por demais delicado para ser feito sem considerar cuidadosamente as redes informais de cooperação (a famosa “rádio peão”), que são as que fazem acontecer o trabalho no dia a dia.

 

Conduzido de maneira reativa e não estratégica, a reestruturação pode ter atrelados os seguintes impactos negativos de curto e médio prazo:

 

  • Perda de talentos e colaboradores-chaves não enxergados por métodos tradicionais de downsizing;
  • O conhecido “Sintoma do Sobrevivente”, que afeta diretamente o moral, a competitividade e qualidade do serviço, somado a novas demissões e desistências;
  • Posterior busca, contratação e treinamento de novos colaboradores qualificados num mercado onde a atração e retenção de talentos está cada vez mais orientada aos intangíveis das marcas; e
  • Programas de reestruturação que levam anos para dar frutos devido à confusão na comunicação e a lenta digestão das novas funções e responsabilidades.

 

Agora, se a reestruturação guiada por princípios proativos e estratégicos já era um processo complexo e doloroso durante ciclos econômicos relativamente normais, imagine as consequências nefastas de decisões apressadas, reativas e focadas na redução de custos desencadeadas pela Covid-19? Some a tudo isso a dificuldade inédita de gerenciar a organização remotamente (recentemente escrevi sobre os desafios de gerir a organização remota) e o resultado será o enfraquecimento das redes de trabalho.

 

A realidade que observamos é que quase nenhuma organização que você conheça escapará à difícil decisão de diminuir o quadro de colaboradores. Nesse contexto, isso precisa estar acompanhado de repensar (rethink) a organização e mensurar o seu tamanho ideal (rightsize) para desenhar a organização do futuro: em rede.

 

Nos próximos parágrafos, mostrarei que o processo de reestruturação pode ser feito de uma maneira inteligente, minimizando os impactos negativos do downsizing reativo, ao mesmo tempo que se aceleram e aprofundam os processos de transformação organizacional necessários para passar a operar em redes de trabalho de alta performance.

 

O valor das redes informais na reestruturação inteligente

É sabido que o trabalho nas organizações é feito majoritariamente por meio das suas redes informais – baseadas nas relações de confiança e empatia – muito mais do que por meio das redes formais ancoradas nas relações de comando e controle e definidas pelo organograma formal.

 

Organograma formal e redes informal. Duas fases da cultura organizacional

 

 

Portanto, se as redes informais são as que fazem o trabalho acontecer no dia a dia, revelá-las é fundamental para saber quem são os colaboradores que, se saírem, podem fragmentar a rede independentemente do seu cargo hierárquico.

 

Na imagem a seguir, observa-se a rede de comunicação informal de uma organização brasileira do segmento de varejo com mais de 35.000 colaboradores. Independentemente do organograma formal, ela apresenta a dinâmica real de comunicação e troca de conhecimentos em três dimensões-chaves de relacionamento: Cooperação, Energia e Inovação.

 

Rede de comunicação informal em empresa de varejo brasileira. Os pontos representam cada um dos mais de 35.000 colaboradores mapeados.
As cores representam os Estados e os links as conexões dos fluxos de cooperação e troca de conhecimentos. Elaborado pela Tree Intelligence

 

Ela foi mapeada por meio do modelo da Pirâmide do Trabalho em Rede, desenvolvido por mim em 2009 (HBR, García Zoppi, 2011) e baseado na disciplina conhecida como Análise de Redes Organizacionais. O diagnóstico é feito por meio de três perguntas, uma por dimensão de relacionamento, via questionário web-based, revelando quem são os colaboradores-chaves na cooperação, troca de conhecimentos, energização/motivação e capacidade de inovação.

 

Modelo de mapeamento das redes (informais) de trabalho (García, HBR, 2011)

 

 

Simulando o impacto da reestruturação nas redes de trabalho

Uma vez mapeados os fluxos do trabalho e identificados os influenciadores-chaves nas redes de cooperação, energia e inovação, é possível simular (visual e quantitativamente) qual é o impacto que a saída ou recolocação de cada colaborador terá na rede.

 

Na imagem abaixo, observa-se uma área específica da rede anteriormente apresentada, onde um único colaborador ocupa o centro da rede. Ao simular a sua saída, a rede se fragmenta. A recomendação nesse caso foi de manter o colaborador ao mesmo tempo que se trabalhou a descentralização de algumas das suas tarefas e a explicitação do parte do seu conhecimento tácito, de modo a criar alternativas de conexão que diminuam a dependência numa única pessoa.


Simulação da saída de colaboradores centrais nas redes de trabalho

 

 

Quais são os benefícios da reestruturação inteligente?

Torna-se evidente como os gestores podem basear-se no diagnóstico das redes de trabalho informais para tomar decisões de reestruturação inteligente, minimizando os impactos negativos do downsizing reativo (tais como diminuição da comunicação, motivação e competitividade). Mas, se junto com o downsizing vem o design inteligente da organização baseada em conceitos de redes de trabalho, será possível também acelerar processos de transformação organizacional necessários para operar em redes de trabalho de alta performance. Chamamos essa etapa de Design das redes desejadas, que possibilita:

 

  •  Desenhar como seria a rede de alta performance perante o contexto atual;
  • Convocar aos líderes informais que têm o poder de mobilizar a rede para que sejam agentes de mudança, exercendo o papel de antenas e evangelizadores internos;
  • Trabalhar com a força das redes para compor times de alto rendimento e propor desafios em comum; e
  • Estimular a mudança do mindset orientada ao trabalho em rede.

 

Em soma, as consequências positivas de contemplar o mapeamento das redes de trabalho nos processos de reestruturação podem ser resumidas abaixo:

  • Menor impacto no moral da equipe ao tratar-se de decisões que contemplam as redes informais;
  • Menor ruído na comunicação, ao desenhar planos de comunicação que utilizem o poder das redes informais;
  • Menor hierarquia e burocracia estimulando a troca horizontal de informações;
  • Aceleração dos processos de transformação digital e mobilidade do trabalho; e
  • Maior competitividade, agilidade e capacidade de adaptação via mudança de cultura.

 

 

*Ignacio Garcia Zoppi é antropólogo organizacional e digital e cofundador da Tree Intelligence.

ignacio@treeintelligence.com / https://www.linkedin.com/in/ignaciogarciazoppi/

 

 

Foto de abertura e imagens: Tree Intelligence