Notícia

Artigos

17/03/2020 - 10h55

Do coronavírus ao presidente – nada do que é humano me é indiferente

Artigo exclusivo de Marcelo Madarász para a Gestão RH. Confira!

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

O ano era 1987 e a música Luka, de Suzanne Vega, fazia sucesso no mundo inteiro. Como muitas outras, há quem cante sem tentar compreender a letra ou fazer a análise do que ela quer dizer. Luka traz uma história muito triste e há interpretações diferentes para ela. Muita gente a associava ao drama da violência contra a mulher, outros compreendiam que Luka era um menino. A própria autora explicou que ela costumava ver um grupo de crianças brincando na frente de seu prédio, e havia uma delas, cujo nome era Luka, que parecia um pouco diferente das outras. Ela nunca se esqueceu do seu nome e de seu rosto, e não sabia muito sobre ele, que parecia deslocado desse grupo de crianças que ela via brincando. E foi nele que ela se baseou para escrever a canção. Um menino que sofria abusos.

 

A música é linda e me faz pensar na mágica que os artistas conseguem fazer de transformar dor em arte. Estamos num período bastante desafiador, no qual há um bombardeio de informações a respeito do coronavírus e no espectro que vai do extremismo radical que semeia pânico ao extremo da negação, muitos diferentes tons de cinza.

 

Muita gente inclusive fazendo uso dessa situação caótica mundial, seja para tirar alguma vantagem econômica, seja para propagar sua ideologia, embalada em ódio. Em muitos países, preços de pacotes de máscaras de proteção chegam a subir até 900%. Em São Paulo, um pacote com 50 unidades que custava 16 reais está sendo vendido a 549 o pacote com 20 unidades.

 

Ficou conhecida em boa parte do mundo a história de duas criaturas nos Estados Unidos que dirigiram por três dias em diferentes cidades do país para estocar álcool gel. Chegaram a esvaziar várias prateleiras com a intenção de vender a preços absurdos em sites de lojas online. Felizmente, o e-Bay suspendeu alguns dos vendedores e alertou outros, que, se continuassem subindo os preços, perderiam as contas. Enquanto milhões de pessoas buscam desesperadamente comprar álcool em gel para a sua proteção, eles estão com 17.700 frascos do produto sem ter onde vendê-los.

 

Um pastor evangélico da Louisiana (EUA), ao descobrir que suas vizinhas eram lésbicas, colocou uma placa anti-LGBT em seu jardim. O casal chegou em casa com suas duas filhas e deram de cara com a placa “Deus proíbe a homossexualidade”, abaixo de uma bandeira LGBT com um sinal de proibido.

 

No Brasil, houve recente tentativa de manifestação política pró-governo e este fato em si, já causou ruídos de todas as ordens, pessoas com muito ódio em seus corações se manifestando a favor, outros contra, o próprio presidente contribuiu para aumentar a temperatura e os políticos que não perdem uma oportunidade de jogá-lo na fogueira fizeram a festa. Sem entrarmos nessa seara, o recorte que quero fazer é o de um post que li em rede social, no qual a criatura diz que a mortalidade é maior entre os eleitores do Bozo (forma pejorativa com a qual eles se referem ao presidente) e que por serem debilitados pela senioridade avançada deveriam fazer consórcio de caixão antes de irem para as manifestações.

 

O que a música de Suzanne Vega, os abusos de preços em situação de pandemia, a paranoia instalada na qual alguém tossindo ou espirrando é visto como inimigo letal, um pastor que semeia ódio contra um casal gay e o post cheio de ódio em relação aos apoiadores do presidente tem em comum? São formas distintas de violência. E, ao contrário do que pensam alguns, não é pela violência que combateremos a violência. É pela não violência e por medidas sensatas, ponderadas e justas, como as que a alta liderança do e-Bay tomou, as que os vizinhos do casal gay da Louisiana tomaram ao demonstrar apoio ao casal, a cada um que leu o post cheio de ódio e não curtiu, dado que curtidas em rede social hoje, tornaram-se moeda. Gandhi e Martin Luther King já nos ensinaram sobre isso. Suzanne Vega escreveu sobre isso e, a exemplo do grande líder que lutou à custa da própria vida pela igualdade racial, suas palavras iluminarão os injustiçados.

 

O grande questionamento que cabe a cada um de nós é como nos posicionaremos em tempos tão desafiadores como o atual. Que esta reflexão seja guiada pela justiça, sabedoria, lucidez, sensatez e que nos fortaleçamos como humanidade.

 

Como disse a poeta, atriz e ativista negra Maya Angelou: "Você pode me fuzilar com as palavras e me retaliar com o seu olhar. Pode me matar com o seu ódio. Ainda assim, como ar, vou me levantar”.

 

Que esse levantar seja guiado pelo amor!

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

Foto: Rogério Motoda