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05/02/2019 - 09h00

O fim da Justiça do Trabalho?

Por Fábio Gindler de Oliveira*
 
Trabalhadores, centrais sindicais, juízes e procuradores do trabalho, advogados, órgãos de classe, estão todos em polvorosa. Primeiro, houve a extinção do Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência logo no dia 1º de janeiro. Será que o Poder Executivo sinaliza que a fiscalização das relações do trabalho não será sua prioridade? Não acredito. Apesar de extinto, a sua competência sobreviveu, ainda que dividida em diferentes pastas. No entanto, logo na sequência, veio a bomba. 
Em entrevista veiculada no SBT no dia 3 de janeiro, o Presidente sinalizou a intenção de acabar com a Justiça do Trabalho. Em claro pronunciamento para a plateia de empresários a qual ele parece querer prestigiar desde os tempos de campanha, o principal mandatário do País apenas externou uma opinião, apenas isso. Ocorre que a campanha acabou e agora qualquer manifestação ou opinião do agora Presidente é suficiente para derrubar a bolsa e causar uma hecatombe, o que de fato ocorreu. 
 
O mandatário justificou a sua intenção em nome da supressão de “entraves que dificultam a vida de quem produz”. Segundo ele, o Brasil tem um excesso de leis trabalhistas, o que encarece os custos dos empregadores sem que isso resulte em salários mais altos para os empregados. “É pouco para quem recebe e muito para quem paga. Alguém ganha R$ 1 mil e o patrão gasta na verdade R$ 2 mil. Algo está errado. Nos Estados Unidos quase não tem direito trabalhista. Até um ano e meio atrás no Brasil eram em torno de quatro milhões de ações trabalhistas por ano. Temos mais ações do que o mundo todo junto. Não adianta ter direito e não ter emprego. Qual país do mundo que tem Justiça do Trabalho?”. 
 
Não obstante alguns erros técnicos em seu pronunciamento, e de fato outras verdades, evidente que o seu desejo foi reforçar o seu viés liberal. Ocorre que colocações atabalhoadas como essa geram um efeito danoso muito grande que beira a convulsão social. O recado veio eivado de boas intenções, pois já é hora de ser dada a importância que merece ao gerador de emprego. No entanto, inexiste a possibilidade do chefe do Poder Executivo acabar com a Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho tem previsão no artigo 92 da Constituição Federal. Sua supressão - ou unificação - por iniciativa do Poder Executivo representa violação a cláusula da independência harmônica dos Poderes da República e do sistema republicano de freios e contrapesos. 
 
Para o chefe do Poder Executivo alterar essa composição, necessário se faz que seja através de Proposta de Emenda Constitucional. Ocorre que a independência dos poderes, base do Estado brasileiro, não pode ser objeto de Emenda Constitucional, dado o seu caráter de cláusula pétrea. Se o projeto de extinguir a Justiça Especializada, com a distribuição da sua competência para as demais Cortes, partir dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, aqui o Tribunal Superior do Trabalho ou o Supremo Tribunal Federal, aí sim haverá justificativa para preocupações, pois nesse caso a supressão se dará dentro da estrutura do próprio Poder Judiciário. Do contrário deve-se considerar a sua fala como mais uma ideia jogada ao léu. 
 
Ainda que a intenção por trás da ideia seja a da geração de mais empregos, esta certamente não será a solução. Segundo Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), “os Juízes do Trabalho têm competência constitucional para conhecer e julgar os litígios trabalhistas que chegam a eles, na medida e do modo que possam chegar, à luz da legislação trabalhista em vigor e em função das condições econômicas do país. Transferir essa competência para a Justiça comum, absolutamente, não muda este quadro. A litigiosidade trabalhista continuará rigorosamente a mesma, sob o manto da mesma legislação trabalhista e com os mesmos obstáculos no campo econômico.” 
 
Ou seja, com ou sem a Justiça do Trabalho da forma como ela existe hoje os litígios envolvendo as relações de emprego continuarão a existir se as regras e a legislação não forem rigorosamente cumpridas pelos empresários. A intenção é boa, mas o caminho escolhido não.
 
*Fábio Gindler de Oliveira é sócio da Advocacia Hamilton de Oliveira. Administrador de empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB/SP) e na Associação dos Advogados do Estado de São Paulo (AASP), teve passagens profissionais pelo Banco Mercantil de São Paulo (hoje Banco Bradesco) e junto à Arthur Andersen (hoje Deloitte Touche Tomatsu) e ao Banco e Corretora Patente S/A