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14/03/2019 - 09h00

O jogo de cintura do conselheiro independente

Por Thomas Lanz*
 
Eu tinha um chefe que vira e mexe, antes de entrevistar alguém, desfilava o seu mantra dos terços. Dizia: a entrada de um novo funcionário na empresa é como o casamento! Tem um terço de chance da empresa gostar dele e ele não gostar da empresa; tem um terço de chance da empresa não gostar dele e ele gostar da empresa; e tem apenas um terço de chance dos dois se gostarem. Sempre penso nele quando o assunto gira em torno da contratação de um novo membro para o Conselho Consultivo ou Societário de uma empresa familiar onde a gestão ainda está na mão dos familiares.
 
Imaginemos que o conselheiro escolhido venha de uma cultura de empresas de capital aberto na qual os laços familiares, com seus valores, princípios, aspectos culturais, ritos e "manias", não existem. Certamente ele terá que ter muito jogo de cintura para se adaptar e entender o "modus vivendi" no contexto de governança da empresa familiar. As figuras do chefe de família, dono do patrimônio e fundador da empresa se misturam continuamente. Suas decisões e maneira de pensar refletem isso. É muito difícil e raro ele atuar apenas como CEO do negócio. Já numa empresa de capital aberto, o CEO vindo do mercado tem como único foco a empresa que administra. Muitas vezes o presidente do Conselho é outra pessoa sem laços com a empresa que não sejam a de ser o presidente do Conselho.
 
O conselheiro habituado a um ambiente estritamente profissional irá conviver com seus novos colegas de Conselho, a esposa do dono, os filhos, o tio e o advogado da família como conselheiro externo. Ele será o primeiro conselheiro independente da empresa. A estrutura das reuniões terá um "quê" de improvisação e uma boa dose de informalismo. Nem sempre os conselheiros familiares têm a bagagem necessária e dominam com o devido conhecimento o ferramental colocado à disposição para a análise de performance da empresa ou estudos econômico-financeiros. 
 
O processo decisório muitas vezes carece de discussões preliminares. O CEO/Dono do Patrimônio/ Chefe de família já vem com as decisões tomadas, dando, caso seja condescendente, espaço para perguntas e esclarecimentos adicionais. Temos também casos de Conselhos em que a cultura societário-religiosa molda práticas de governança e gestão não encontradas em empresas não familiares. Podemos citar como exemplo o caso de sucessão da gestão, no qual, em certas culturas,  o filho primogênito homem irá assumir a condução dos negócios independentemente de sua competência, vocação e habilidades para o cargo. 
 
Mas o fato de uma empresa de gestão familiar buscar um conselheiro independente, indicado ou escolhido por sua competência e profissionalismo, é um importante passo para a profissionalização da gestão e da governança. Isto não quer dizer que os membros da família precisam ceder seus lugares a profissionais contratados. Ao contrário; se competentes, podem e devem permanecer nos negócios da família, assimilando e adotando as práticas de gestão comumente aceitas pelo mercado, assim como os princípios de uma boa governança corporativa.
 
Por sua vez, o conselheiro independente terá um grande desafio. Além de suas funções de conselheiro, deverá desempenhar o papel de mentor junto a todos os envolvidos na gestão, com o intuito de profissionalizar  a organização e prepará-la para sua perpetuação. Ele terá que ter um bom jogo de cintura, uma grande resiliência, paciência e sentido de transformação.
 
*Thomas Lanz é fundador da Thomas Lanz Consultores Associados, empresa especializada em governança corporativa, gestão de empresas médias e grandes no Brasil